sábado, 1 de outubro de 2016

"Aquarius" no calor da hora

Anti-Fora Temer

Apesar do frisson pós-protesto em Cannes, não é um filme que caiba nos gritos de "Fora Temer" da plateia quando sobem os créditos. Muito ao contrário, é um retrato melancólico do Brasil em que tudo muda para que tudo permaneça o mesmo. A escravidão é a protagonista do filme, relegada ao segundo plano dos pesadelos e da cozinha. A luta de Clara para permanecer em seu apartamento é um véu eficaz. A briga das elites por aqueles poucos metros quadrados da orla do Recife é a mesma que acontece no Palácio do Planalto.


Câncer como metáfora

É um filme sobre a podridão estrutural. O câncer, os cupins, essas ameaças invisíveis até que sejam fatais. A construtora bilhardária figurada pelo playboy simpático e a esquerda esclarecida da jornalista de classe média alta são cupins de um mesmo prédio, doenças competindo para se alimentar de um mesmo corpo. As referências à intelectualidade de esquerda corroem sem resolver. É um filme sobre o filho morto da empregada. É sobre quem não consegue nem morrer de câncer.


Caricatura sutil

O principal recurso formal do filme é a caricatura. Roteiro, personagens, tudo é tipo e clichê. Mas simultaneamente sutil, por meio de dois procedimentos. 1. Tudo é caricato. Os figurantes são caricatos. Detalhes rápidos do roteiro, idem. Esse excesso operado em cada detalhe não permite os contrastes usuais da caricatura (p. ex., em retratos, um nariz exagerado em contraste com bochechas realistas, etc.). 2. O tom é rasteiro. Sem pirotecnias nem grandes arroubos. Cenas lentas, atuações silenciosas, música extradiegética como em qualquer filme comercial. Sua caricatura é grave.


Gênero: terror

É um filme de terror. De suspense na ação. Inclusive por a violência sexual ser iminente (ruas vazias, portas sem trinco, uma mulher independente, a grande musa do cinema nacional). E de terror, enfim, porque o Brasil é um país terrível. (Terror à Lars von Trier.)