quinta-feira, 30 de junho de 2016

A bruxa presbiteriana

O suicídio de Ana Cristina Cesar
mais o carão das três por quatro
e o esquisito dos poemas.

Toda escritora do século XX (inclusive as de outros séculos, mas disfarçadas de século XX), condenada a ser femme fatale, seus textos acompanhados de fotos e flores, de design rosa. Eterno Dia da Mulher na firma da literatura, aquarelas frágeis. A musa quer escrever e não permitem. Te acalma, fica boazinha, posa pro macho, agora escreve, assim pode.

Cada escritora se torna escritora do jeito que consegue. Os poemas de Ana C. capengas, gaguejando o óbvio pra tirar de cada fala feita uma síntese improvável e indefinível. É a poética da espera engatada no arranque. Quase vai, mas não vai. Foi, e acabou fondo.

Este ano é homenageada (sic) na Flip. Essa poesia flopada.




E, com tudo isso, uma Maldita. Esse rótulo, mais poético que editorial: maldita porque produz buracos na compreensão e se torna, ela própria, impegável, mesmo que acreditem tê-la na palma da mão. Tão petite. Pássara bisonha. Os vácuos e a vagabundagem dos poemas, disfarçados de excesso de fala e elegância, criam a ausência que é (em certa tradição cristã) o sinal mais evidente da Maldade.

Toda escritora do século XX tem essa pecha de satânica. A tradição das bruxas esteve muito viva nas letras do século tecnológico. Georges Bataille diz (ou eu digo que ele diz) que o Romantismo fez da poesia a experiência mística moderna, uma religião arcaica para um tempo sem Deus. O presbiterianismo de Ana C. modula, mas não anula, o tipo de bruxa que ela é. O templo nu, sem graça, dos protestantes, virado do avesso é uma proliferação de vozes e vontades cheias de segundas intenções. No lugar de Cristo ensanguentado ou da Virgem de olhos molhados, uma mulher moderna, sem pouso, indomável.

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