terça-feira, 27 de novembro de 2012

Virar personagem

Não passei do segundo capítulo de Se um viajante numa noite de inverno, de Italo Calvino. Aliás, fechei com raiva o livro quando terminei de ler a primeira frase do terceiro capítulo:

Você já leu umas trinta páginas, e a história começa a apaixoná-lo.

Como ele se atreve? Sem paixão nenhuma, um livro muito chato, e ainda querendo cagar regra na minha leitura.

Fiquei pensando que não era culpa do livro, exatamente. (Embora.*) No ônibus chacoalhando, desinteressado, ou mesmo quem garante que uma leitura seja benquista, tipo uma paixão por alguém num momento errado? Tipo o amor só acontece se for caso do acaso / bem marcado em cartas de tarô?

A tal da química ainda é boa metáfora. Um bom jeito (?) de não carregar rancor. Culpar o tempo, que não coincidiu com o encontro, e fechar o livro, pô-lo de lado, quem sabe um dia, até a próxima.


* Embora seja. Machado de Assis e Clarice Lispector, por exemplo, também escrevem às vezes tratando o leitor de "você" e pressupondo o ritmo da leitura, mas não incluem esse ritmo nos acontecimentos narrados. Nesse livro do Calvino, a não ser por um milagre do acaso, a gente precisa se esforçar pra virar a personagem. Sobre essa relação entre realizador/a e espectador/a, tenho pensado nisso que o Abbas Kiarostami fala:

Tem filmes que te prendem na sua cadeira e sobrecarregam você até o ponto em que você se esquece de tudo, mas depois você se sente traídx. Tem esses filmes que te fazem de refém. Eu absolutamente não gosto de filmes em que xs cineastas fazem xs espectadorxs de reféns e provocam elxs. Prefiro filmes que colocam a audiência pra dormir na sala de projeção. Acho que esses filmes são bastante gentis de deixar você tirar um bom cochilo e não te deixar perturbadx quando você sai do cinema.


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